2008-11-23

A lógica tortuosa de Reinaldo Azevedo

Às vezes é engraçado passear pelos blogs do esgoto, ou melhor, da Veja, para ver a maneira tortuosa como eles tentam condenar a atuação da Polícia Federal e ao mesmo tempo justificar os desmandos do STF.

Aqui vão dois casos exemplares, em que Reinaldo Azevedo analisa artigos publicados em outros órgãos da imprensa.

Vamos começar por um artigo da Folha ("Ameaça a juiz do caso Dantas inibe ações da PF, dizem delegados"):

"Os desdobramentos da Operação Satiagraha têm alcançado outras investigações sigilosas em andamento na Polícia Federal. O principal motivo são as críticas de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) ao juiz federal responsável pelo caso, Fausto Martin De Sanctis, também ameaçado de punição.

Delegados federais que conduzem investigações cobertas por segredo de Justiça enfrentam dificuldades para convencer juízes de primeira instância a conceder ordens de interceptação telefônica e mandados de busca e apreensão.

Nos corredores do I Congresso de Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo, realizado na semana passada, os delegados que estão à frente das investigações apontam que alguma coisa mudou no Judiciário -e foi em detrimento da rapidez nas operações.

Há pelo menos quatro grandes operações em andamento na delegacia de crimes fazendários de São Paulo. O delegado Marcelo Sabadin, chefe da unidade onde tramitam 17 mil inquéritos, tem notado problemas. "O Judiciário está mais relutante na expedição de mandados de busca e apreensão e nas interceptações telefônicas. Se houve erros, que se apure. Mas a sociedade não pode pagar por isso", disse."


Comentário do Reinaldo Azevedo a respeito deste artigo:

Reinaldo Azevedo"Estamos diante de um lobby descarado de policiais que pretendem agir ao arrepio da lei. E, se não podem fazê-lo, então afirmam que o país está entregue à impunidade. E, botando a boca no trombone, sabem que a imprensa ecoará seu grito de guerra. Começo pelo título: QUAL FOI A “AMEAÇA” de que De Sanctis foi vítima? Ele está apenas tendo de responder por coisas que disse e fez. Porque, ainda que a muitos pareça estranho, juiz e delegado também se submetem às leis. (...)

Os delegados que falam acima estão apenas fazendo carga contra os limites que o STF está tentando impor à esbórnia. Nada mais. No país em que há 400 mil grampos legais — fora os milhões de ilegais —, policias vêm reclamar de dificuldades? Tenham paciência! Mais: policiais federais fizeram o diabo nestes seis anos de governo Lula; agiram como se não houvesse leis e Constituição no país. Quantos são as pessoas ainda presas por conta de suas operações de nome esquisito? Os detidos acabam soltos não porque a Justiça seja necessariamente leniente, mas porque não se observam os limites legais e constitucionais.

Perseguição a De Sanctis? Qual? A história do perseguido é uma lenda que ele próprio inventou para tornar a sua biografia mais interessante. Já afirmei dezenas de vezes: ele e o delegado Protógenes estão usando a figura de Daniel Dantas para ir muito além de suas sandálias."


Vejam só, de acordo com Reinaldo Azevedo, a justiça brasileira é um primor, e o verdadeiro problema está na Polícia Federal. "Os detidos acabam soltos não porque a Justiça seja necessariamente leniente, mas porque não se observam os limites legais e constitucionais".

Agora será que os "limites legais e constitucionais" valem para Daniel Dantas? Diz a Lei que um caso não deve saltar instâncias: um habeas corpus só deve ser apreciado no STF depois de ter passado pelos tribunais de segunda instância (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça estaduais), e pelo STJ.

Isso é o que diz um outro artigo da Folha:

"Com o início da Operação Satiagraha, o banqueiro Daniel Dantas, acusado de corrupção e crimes financeiros, bateu às portas de três tribunais, mas só obteve êxito no STF (Supremo Tribunal Federal), instância máxima do Poder Judiciário.

As duas vitórias conseguidas por Dantas no STF foram as mais importantes até agora, pois são aquelas que revogaram as prisões temporária e preventiva decretadas pelo juiz federal Fausto De Sanctis em julho.

No TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), Dantas só teve derrotas. Nessas cortes, o banqueiro coleciona ao todo nove decisões desfavoráveis em julgamentos e pedidos de concessão de liminares.

O simples fato dos habeas corpus de Dantas terem sido analisados pelo STF, independentemente dos resultado, já poderia ser comemorado como uma vitória. Em regra, os habeas corpus só são apreciados na corte máxima depois de passarem pelos tribunais de segunda instância (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça estaduais) e pelo STJ.

Há inclusive uma súmula (enunciado que orienta os tribunais) do STF, de número 691, que proíbe que se "pulem" instâncias e se recorra diretamente ao STF nos habeas corpus.

Essa regra só pode ser quebrada em situações excepcionalíssimas, em que haja flagrante situação de constrangimento ilegal, segundo julgamentos anteriores do tribunal.

No caso de Dantas, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, entendeu que havia ilegalidade patente na prisão de banqueiro, e afastou a aplicação da súmula 691. Além de aceitar examinar o habeas corpus, determinou a libertação de Dantas nas duas vezes em que o juiz federal Fausto De Sanctis decretou a prisão do banqueiro."


Comentário do Reinaldo Azevedo:

Reinaldo Azevedo"Sim, e daí? Um texto como esse ou analisa o mérito das decisões ou, lamento dizer, investe na suspeição do STF, afirmando-a por vias um tanto oblíquas. E não há que ser oblíquo em casos assim. Cumpre lembrar, por exemplo, que a decisão do ministro Gilmar Mendes foi referendada pelo pleno do Supremo. Estariam pelo menos 10 ministros no bolso de Daniel Dantas?

Não terminei as minhas perguntas: o caso Dantas é o único em que o Supremo tomou uma decisão diferente das instâncias inferiores? (...)

Ora, é evidente que o que parece mero registro pretende despertar a estranheza do leitor, quiçá a sua indignação. Afinal, todos achamos que Dantas tem de ir para a cadeia. E vai o STF e toma uma decisão diferente do juiz de primeira instância? Se a uma suprema corte não compete a licença de julgar com liberdade, então por que ela existe? Então por que não se dá ao juízo de primeira instância o poder da sentença definitiva? A alguns pareceria mais democrático.

Fico impressionado que não se atente que é uma falha lógica monstruosa reivindicar para o juízo de primeira instância a liberdade de julgar e querer cassá-la da corte suprema."


Releia a matéria da Folha. Alguém questionou a liberdade da corte suprema reverter o juízo de primeira instância? Não. O cerne da questão é, novamente, que o STF só deveria se pronunciar depois do caso ter passado pelas instâncias inferiores.

Reinaldo Azevedo abusa da lógica -- cria argumentos fáceis de refutar e os atribui ao adversário -- para defender seus pontos de vista.

2 comentários:

  1. Ohhh "Professor de Deus", vê se tira as reticências do comentário e responde as perguntas do cara.

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  2. Aqui está o trecho completo, sem reticências:

    "Não terminei as minhas perguntas: o caso Dantas é o único em que o Supremo tomou uma decisão diferente das instâncias inferiores? Estamos diante de uma exceção ou de um evento corriqueiro? Não percam tempo pesquisando: estamos diante de um evento corriqueiro. Mas pesquisem caso a informação não lhes pareça segura."

    De onde Reinaldo Azevedo tirou essas perguntas, se estas não são as questões levantadas pela Folha?

    As verdadeiras perguntas, que a Folha e todo mundo quer saber, estas Reinaldo Azevedo não faz:

    1) Gilmar Mendes agiu corretamente ao saltar instâncias para salvar Daniel Dantas?

    2) Supondo que tenha havido injustiça flagrante -- o que a tentativa de suborno desmente -- será que GM seria tão rápido em soltar qualquer outro brasileiro?

    3) Por que apenas o banqueiro tem esse privilégio? Será uma confirmação das "facilidades no supremo", que já haviam sido anunciadas por seu acessor?

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